domingo, 6 de fevereiro de 2011

A Casa de São Bento em Ponta Delgada, que futuro queremos para o nosso Património

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por Isabel Soares de Albergaria



Há dias passei na rua da Misericórdia e apercebi-me de obras vultuosas na casa de São Bento, uma das últimas casas nobres do século XVII que resistiam na cidade de Ponta Delgada. Alertada pela dimensão das máquinas que operavam através de uma enorme abertura que entretanto tinha sido rasgada na fachada, dirigi-me à Câmara no intuito de procurar informações junto do responsável pelas obras daquela zona da cidade. Da conversa obtive como garantia que o projecto licenciado pela autarquia obrigava à manutenção da fachada, embora previsse uma completa destruição do interior, além do acrescento de mais um piso que se assumia na sua linguagem actual. Achei mal. Como? Só a fachada? Uma casa documentadamente do século XVII, que conservava em estado razoavelmente intactos os espaços e a lógica da distribuição interior, além de uma magnífica cozinha lajeada com lar aberto por dois arcos e armários de pedra nas paredes? Não seria possível exigir um mínimo de sensibilidade que garantisse a manutenção do carácter do edifício?! Parecia-me absurdo, também, que esse não fosse o entendimento dos serviços técnicos da Câmara. E era. Mas só o entendimento, porque tudo o resto joga a desfavor. O edifício em causa não estava classificado, logo, não merecia a menor consideração e respeito! O PDM não prevê qualquer medida de salvaguarda para os edifícios históricos, mencionando apenas os limites de índice de ocupação! Índices de ocupação! Mas a tanto se reduz a arquitectura? Infelizmente, este entendimento absurdo de que mantendo a fachada se está a conservar o edifício é muito mais difundido do que poderíamos pensar. No senso comum parece ter-se instalado a ideia de que a acção de conservação do património deve limitar-se à manutenção do frontispício, sendo absolutamente legítimo alterar os interiores à vontade do freguês. Vejamos: ou há valor e interesse no edifício e nesse caso deve ser mantido com a integridade possível (mesmo admitindo que tenha que ser parcialmente alterado, adaptado e ajustado à nova função), ou pura e simplesmente não tem interesse e nesse caso deve dar lugar a um novo. O que não pode é confundir-se o edifício com a sua fachada. Ela não é mais do que o seu rosto. Mantê-la para lhe destruir o corpo inteiro faz lembrar aqueles jogos em que se combinam diferentes corpos em várias cabeças. O jogo diverte, mas pelo lado do insólito e da farsa! A casa de São Bento na Rua da Misericórdia tinha um rosto um pouco desfigurado, é certo! Faltava-lhe já a ermida que o Pe. João Borges da Câmara (1654-1705) mandara erguer à ilharga da sua casa de moradia em 1671. A ermida dedicada a São Bento encontrava-se em 1699 “bem paramentada do necessário para o culto divino”; depois do período liberal foi profanada, e na década de 20 ou 30 do século XX demolida por António Manuel de Vasconcelos. Os últimos 50 anos acrescentaram novas feridas graves a esse rosto um tanto maltratado, como o rasgamento de extensos vãos no rés-do-chão que lhe alteraram a regularidade rítmica dos vãos e as relações métricas entre cheios e vazios. Mas ainda que desfigurada na sua fachada, a casa de São Bento permanecia como testemunho histórico. História longa de mais de três séculos, tendo conhecido épocas prósperas e outras menos prósperas. Reza a tradição que esta casa teria sido a primeira da cidade de Ponta Delgada a ter vidros nas janelas! Sinal de grande abastança e conforto se comparado com os postigos pequenos com grades de madeira que usualmente tapavam as janelas das casas. Exibia além disso a gramática decorativa própria do que Luís Bernardo Leite Ataíde chamava o “estilo micaelense”. Desde meados do século XVIII, na posse sempre da família Medeiros da Câmara (antepassados do visconde e marquês da Praia), a casa foi arrendada a mercadores de grosso trato, que a viam como exemplo de uma casa nobre. É o caso de Joaquim da Costa Barradas, contratador do tabaco e, no início de 1800, de António José de Vasconcelos, seu sucessor no estanco do tabaco e grande comerciante originário da ilha Terceira. Nos séculos XIX e XX recebeu outros inquilinos, abrigou muitas outras famílias. Hoje a casa de São Bento já não pode contar mais histórias, calaram-se os segredos das suas paredes. Perante o facto consumado só espero que duas coisas aconteçam: 1- que apesar de tudo, a empresa construtora seja compelida a pagar a respectiva multa por desrespeito sumário do projecto que entregou e licenciou na Câmara. A não ser assim estaria a dar-se um sinal claro de que o crime compensa; 2-que a Câmara exija o desenho de uma nova fachada condizente com o novo edifício que tem por detrás. O que não deve, não pode acontecer, é a mascarada que tem grassado por esta cidade de fachadas fingidas em que nada, absolutamente nada, é autêntico, a não ser duas ou três pedras de cantaria lavradas. Não faz qualquer sentido sustentar uma arquitectura cenário para contento das falsas consciências do decoro e decência histórico-patrimonial. Não serve para nada este faz-de-conta em que tudo está errado: erradas as proporções, os materiais, a espessura da parede. E acima de tudo, perdido o sentido. Em conclusão, gostava só de deixar esta ideia: nem todo o edificado de um centro histórico como o de Ponta Delgada tem que ser mantido. Muitos dos seus edifícios não têm carácter histórico ou arquitectónico que mereça a sua conservação, desde que uma arquitectura qualificada os venha substituir. Por outro lado, nos casos em que se justifique o cuidado pela manutenção, é preciso entender o edifício como um todo, o corpo inteiro e não apenas um rosto.

Texto publicado pela Drª Isabel Soares de Albergaria

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

As origens da cultura do ananás nos Açores

Os portugueses tomaram conhecimento com o ananás no séc. XVI. Pedro de Magalhães de Gândavo descreve assim o seu sabor “Depois que estão maduros, têm um cheiro mui suave, e comem-se aparados feitos em talhadas. São tão saborosos que, a juízo de todos, não há fruta neste reino (Portugal) que no gosto lhes faça vantagem”.

Em Outubro de 1848, foi escrito no jornal «O Agricultor Micaelense» (primeiro jornal agrícola, escrito em língua portuguesa), um artigo sobre o ananás, supondo-se ter sido feito por António Feliciano de Castilho, que nessa época era o redactor.

Com frases lisongeiras como: - «Hino perfumado da terra ao seu criador», «tem o diadema porque o não pode engeitar», «tem seduções, que atraem, porque lhas dêo, quem dá tudo», e ainda estoutras convencedoras «limitamo-nos a lembrar a conveniência, que o lavrador poderia encontrar em cultivá-lo; não só para o mercado de sua terra, mas para o d’além mar», «há segundo nos consta exemplos de se já ter creado, e oferecido às bafagens quentes do sul, frutear»…«dos creados em estufas não falemos; esses se não igualarem os da América pouquíssimo àquem lhes ficarão», - estava assim feita a propaganda do ananás.

O ananás foi introduzido nos Açores nos meados do séc. XIX, em especial na ilha de S. Miguel, como planta ornamental, aos poucos foi-se cultivando para consumo das casas ricas.

Fizeram-se as primeiras estufas e os ananases começaram a ser cultivados em vasos.

Isto resultou de experiências feitas pelo Sr. José Bensaúde, o primeiro cultivador de ananases.

A necessidade de encontrar um substituto para a laranja que se encontrava afectada por uma doença, a gomosa, foi a causa principal para a procura de um novo produto que preenchesse o vazio deixado por esse fruto no circuito comercial de exportação.

A primeira exportação de ananases data do dia 12 de Novembro de 1864, com óptimos resultados.

O entusiasmo pela cultura cresceu e começaram a construir-se muitas estufas, em Ponta Delgada, e arredores como Fajã de Baixo, S. Roque. Vila Franca do Campo, Ribeira das Tainhas, Ponta Garça, Lagoa e Ribeira Grande.

Em Janeiro de 1874, o «Gardener’s Chronicle», diz: «a cultura do ananás na Ilha de S. Miguel tem tomado grande incremento; a última colheita realizou interesses de consideração nos mercados ingleses, sendo a sua qualidade reconhecidamente superior à dos frutos de produção estrangeira».

Em 1875 estavam construídas estufas para 40.000 ananases, em determinadas regiões de S. Miguel, principalmente na área Sul, pois chegaram à conclusão que na parte norte só nos sítios mais soalheiros, o ananás produzia regularmente e na maior parte dos casos, apenas vegetava, onde se conclui, que a cultura do ananás, para maior felicidade nossa, constitui um monopólio, de certas regiões da Ilha de S. Miguel.

Em 1913 exportavam-se ananases para Inglaterra, Alemanha e Rússia. Nesse ano a exportação foi de 184.100 malotes; 1.463 quartos (meias caixas) e 116 grades, (contendo cada grade 1 ou 2 ananases, excepcionalmente belos, num vaso com a sua planta) com cerca de 2.000.000 de ananases, que produziram a bonita soma de 200.000 libras.

Actualmente muitas delas já não existem ou encontram-se em elevado estado de degradação como na zona mais central de Ponta Delgada, freguesia de São Pedro onde havia muitas e o que resta é pouco significativo, estando mais centrada a produção na Fajã de Baixo, Vila Franca do Campo e pouco mais.

Construíram-se muitas estufas e o ananás tornou-se um produto de grande rendimento para a ilha.

Durante a primeira guerra mundial, esta situação alterou-se drasticamente, fechando-se por completo os principais mercados de exportação, voltando a normalizar depois de acabada a guerra.

Em 1933 faz-se a concentração de venda do ananás em Londres, Hamburgo e Berlim. A exportação total de 1 de Janeiro de 1920 até 31 de Dezembro de 1933, foi de 1.728.381 caixas. Rebenta a segunda guerra mundial e surge uma nova crise mais séria que as outras anteriores pois parou quase por completo a produção de ananás.

Em 1951, tentaram-se novos mercados como a Suécia, Tânger e Irlanda, mas sem grande sucesso.

Após as grandes dificuldades de mercado originadas pelas duas guerras esta cultura nunca mais voltou a ter o desenvolvimento inicial pois tornou-se uma cultura com muita dificuldade de arranjar mercado, devido aos custos de produção e exportação que se tornaram elevados e ao aumento do preço de venda da fruta.

A produção do ananás desde a toca até ao fruto pronto a colher leva cerca de dois anos.


Estufa de ananás em 1953
Fonte: BORGES, Luis Manuel Agnelo

Acondicionamento da fruta em 1953
Fonte: BORGES, Luis Manuel Agnelo

 

                Estufa de ananáses          
Fonte: Profrutos, CRL

Flor da planta do ananás
Fonte: FREITAS, João M. da R.

Ananás jovem
Fonte: FREITAS, João M. da R.

Apanha do ananás
Fonte: FREITAS, João M. da R.


 Acondicionamento da fruta em 2008
Fonte: Cacilda Medeiros